Ricardo Dih Ribeiro
26/10/2021 19:40:45
O Dragão é um dos tantos símbolos que são comuns a diversas culturas ao redor do mundo, aparecendo em mitos da China, Japão, Coréia, Europa, Oriente Médio e também na América pré-colombiana. O termo “dragão” provavelmente deu-se da derivação do verbo grego “drakein”, que significa “ver claramente” ou “aquele que enxerga longe” (relacionado à crença de que os dragões guardam diligentemente grandes tesouros).
No gnosticismo e em diversas outras correntes espiritualistas acredita-se que a universalidade deste mito é devido à existência destas criaturas em um tempo muito remoto, especificamente durante o período atlante. Com a catástrofe diluviana (que também é descrita amplamente em dezenas de culturas), seus sobreviventes transportaram para cada cultura os inúmeros mitos relacionados aos dragões, como criaturas cheias de poder e de sabedoria.
Geralmente retratados como grandes serpentes ou grandes lagartos com escamas e asas, têm na sua aparência alguns elementos míticos que personificam seus atributos mágicos. Na cultura grega, por exemplo, existe Ládon, o dragão que foi derrotado por Hércules para conseguir uma maçã de ouro (alguma semelhança com o Gênesis…?), ou o dragão derrotado por Jasão para conseguir o velocino de ouro.
Na cultura celta, o dragão está associado à força primordial da natureza e tornou-se praticamente o símbolo dessa religião de tal forma que os cristãos medievais, para combater o paganismo associaram o dragão ao diabo, que é derrotado pelo Arcanjo Miguel, símbolos que historicamente se verificam pela supremacia cristã sobre o paganismo celta, mas que em termos esotéricos também carregam um significado muito profundo.
Entre os astecas, maias e toltecas, Quetzalcóatl ou Kukulcán (termos que significam “serpente emplumada”) era a principal divindade, uma espécie de Deus-messias, criador da humanidade e também civilizador e legislador. Quetzalcóatl é a representação das forças naturais que ascendem e se fundem com as forças divinas, celestiais, daí o termo “serpente emplumada”, ou seja, um dragão.
Na cultura chinesa existe ampla referência ao dragão. Diferente das culturas ocidentais, o dragão não possui asas, porém possui igualmente o dom de voar. É representado por um animal que reúne diversas características de outros, como o corpo de serpente, as garras de águia, os chifres de corsa e bigodes de carpa. Simboliza a Sabedoria divina revestida do poder indomável da natureza, ou seja, a harmonia entre os atributos espirituais e naturais que formam todas as coisas. São tidos como criaturas celestiais, incrivelmente auspiciosos e que exercem o controle sobre as forças da natureza.
Dados os diferentes contextos, vamos analisar seus símbolos e evidenciar o ponto de convergência entre eles, para não cairmos no erro de acreditar que no ocidente e no oriente os dragões tem atributos opostos.
Em artigos anteriores falamos da organização da criação do ponto de vista gnóstico e da divisão do universo em duas grandes partes: o sutil e o denso, ou seja, o espiritual e o natural, cada uma com o seu respectivo regente. Para reger o espiritual, o Logos, representante da Luz; para reger o natural, o Espírito Santo, representando o fogo, expresso muitas vezes nos textos apócrifos como o “Demiurgo”, o Deus do Velho Testamento, com suas leis e sua força coercitiva para conduzir o homem de volta à luz.
Na mitologia hindu é Shiva, sobre o qual já abordamos antes, o destruidor ou transformador. Associa-se ao dragão inclusive porque este pertence ao elemento fogo (como Shiva), que tem essa mesma característica de renovar todas as coisas, de transformá-las. Na mitologia celta, o dragão tem ainda mais um correspondente, sob um outro aspecto, que é o Deus Cernunnos, o “deus galhudo”, representado por um homem forte vestido com uma pele animal e com a cabeça de uma corsa, símbolo da natureza selvagem e pura. Assim, o dragão representa essa força poderosa da natureza que coloca tudo em transformação.
Em alguns contextos, seu sopro ígneo cura e em outros, destrói, mas é o mesmo sopro. E como força natural, a princípio é selvagem, desmedida, incontida. Por isso nos mitos europeus, geralmente se coloca o dragão como habitante de cavernas profundas, apesar de ter asas para voar. Ou seja, representa aquela força mais primitiva que reside em nosso subconsciente, mas que semelhante ao cão Cérberus, que habita os infernos, ao ser domado por Hércules foi o responsável por tirá-lo daquela região sombria.
Na mitologia chinesa, o dragão é o símbolo da sabedoria e se diz que esta criatura pode viver submersa na água (sua condição original, representado nso bigodes de carpa e no corpo escamoso), sobre a terra (representado nos chifres de corsa e no corpo de serpente) ou nos ares (representado nas garras de águia). À medida que o iniciado vai conquistando o domínio de si mesmo, ele vai galgando as etapas do dragão, descritas no I Ching:
O poder espiritual está oculto nas paixões, representadas pelas águas seminais e pelo inconsciente. Nesse estágio, a pessoa não sente o ímpeto de sair de seus vícios, pois está em completo esquecimento de sua verdadeira natureza.
O início do despertar espiritual. O dragão (nossa verdadeira essência) consegue colocar a cabeça para fora das águas, porém se movimenta ainda em meio ao lamaçal. Caminha com dificuldade, porém começa a perceber que existe um outro mundo de possibilidades, uma nova realidade, distinta do mundo aquático. No entanto, sua vida debaixo d’água continua se desenvolvendo normalmente e só às vezes põe a cabeça para fora.
É o momento em que o dragão começa a perceber que pode sair e se lança por alguns instantes para fora das águas, para logo voltar a elas. Porém, nesse ponto, a mesma água, que o segurava, agora é a que o permite planar e ele nada pela superfície, ao invés de permanecer nas profundezas aquáticas.
O dragão descobre que existe terra firme e aprende a ficar sobre ela, fora das águas, em pé. Nesse ponto, o contraste entre a antiga realidade e o novo campo de possibilidades o colocam diante da necessidade de optar por viver fora da água ou retornar a ela, ou seja, abdicar da conquista interior ou abdicar de ser dominado pelos instintos. Por oscilar entre ambas se diz que o dragão pula de uma para outra. A sua realidade ainda não o permite voar e por isso o mais alto que chega é quando pula, para logo cair de novo na terra.
Se o dragão decide desenvolver seu potencial criativo e encontrar sua verdadeira natureza, chega à etapa em que aprende a voar pelos céus, que significa o encontro com sua natureza espiritual, antes oculta. Porém nesse vôo, vez que outra sente a necessidade de retornar à terra firme, pois ainda não consegue sustentar-se nos ares por muito tempo.
É a etapa em que o dragão aprendeu a sustentar o estado de lucidez contínua e por isso não cai de volta à terra. Isso significa que entrou em harmonia com a verdade e com a vida e agora é um sábio, que necessita baixar apenas para ajudar os demais nessa mesma trajetória.
Ainda comparando as diferentes culturas, o dragão representa essa força mágica que tem o poder de nos elevar, pois sua natureza é celestial; porém que nos desafia, nos impõe dificuldades, porque necessita aperfeiçoar-nos. Todos pensamos em triunfar na vida. Mas já refletimos que não existe triunfo sem superação?
Triunfo significa batalha e renúncias, apostar em uma atitude e não olhar para trás. Nesse sentido, todas as tradições que falam sobre dragões convergem, pois umas o colocam como uma força divina e outras o colocam como mal, mas principalmente no sentido de impedir que se conquiste algo que não somos merecedores. Os tesouros ocultos que as lendas medievais contam que os dragões guardam, nada mais são que essas jóias preciosas que existem em nosso interior e que só podem ser conquistadas à base de superação, pois não são dadas aos covardes.
Escolhemos o dragão como símbolo deste site por representar a proposta destes estudos, que é fazer com que nossa natureza se renove e então a sabedoria intrínseca que existe em cada um se revele.