Ricardo Dih Ribeiro
26/10/2021 19:33:50
A cultura do machismo está e se expressa em toda parte. Assim, a misoginia e a desigualdade de gênero são visíveis em contextos como no mercado de trabalho e nas desigualdades salariais, nos reincidentes casos de assédio, na violência doméstica, até o feminicídio. Mas essa cultura também atua de maneira mais discreta, no trato entre amigos, na maneira com que flertamos e comentamos sobre relacionamentos, e até mesmo em nossas escolhas lexicais: nas palavras e expressões que usamos cotidianamente. Muitos estigmas nascem, se reforçam e se multiplicam pela maneira como falamos.
Não importa se uma ou todas essas expressões são ditas sem querer, sem consciência do que efetivamente provocam ou querem dizer, o fato é que são expressões que devem ser abandonadas. A linguagem reflete nossa realidade no bom e no pior dos sentidos, mas ela é também capaz de alterar o mundo e a maneira com que nos relacionamos.
A boa notícia é que é sempre possível reduzir a cultura do machismo procurando por maneiras mais inclusivas e menos preconceituosas em algo tão simples quanto a escolha do nosso vocabulário. Assim, separamos 8 expressões machistas que podem ser imediatamente deixadas para lá .
“Estar de chico”
Engana-se quem pensa que a origem dessa expressão está no apelido para o nome Francisco: a palavra “chico”, em Portugal, é sinônimo de porco – daí a palavra “chiqueiro”, e a terrível origem da expressão para uma mulher que está menstruada. Dizer que uma mulher está “de chico”, portanto, remete a uma época que a menstruação era considerada algo sujo, impuro, animal. A menstruação não é, porém, um palavrão, e nem estar menstruada é um defeito – o tema deve deixar de ser estigma, e ser visto de forma simples e natural.
“Mal-amada”
Para compreender o peso dessa expressão não é preciso recorrer à etimologia das palavras, mas simplesmente compreender seu significado: explicar determinado comportamento de uma mulher pelo fato dela não possuir o amor de um homem – enquanto os homens, para o mal ou para o bem, são sempre vistos como senhores de seu próprio temperamento. O machismo da expressão reside, portanto, na ideia de que a personalidade de uma mulher é determinada pelo amor – a aprovação, a presença – de um homem, ou pela falta de tal relação. Se alguém deseja apontar desconforto com o comportamento de outra pessoa, deve o fazer respeitosamente – e sem evocar sua vida amorosa.
Está de TPM”
Procurar justificar determinada postura feminina – normalmente quando a mulher discorda ou questiona uma posição masculina – por uma eventual Tensão Pré-Menstrual, além de machista é uma postura generalista e ignorante. Nem toda mulher é afetada da mesma maneira por seu ciclo menstrual, e muitas não sentem impacto algum sobre seu temperamento. Especialistas confirmam que, na maioria das vezes, a impaciência de uma mulher não se dá por estar em vias de menstruar, mas sim por sentir-se sobrecarregada ou pressionada exatamente pelo machismo, que prolifera o uso da expressão. Assim, a regra é a mesma: é possível indicar eventual incômodo com o comportamento de uma mulher de forma respeitosa, e sem mencionar o período menstrual.
“Mulher de fulano” ou “a mina de fulano”
Essa maneira de se referir a alguém não deveria carecer sequer de explicação: ninguém é propriedade de ninguém, e as mulheres são singulares e senhoras de si, independentemente da pessoa com quem estejam se relacionando. Não é por acaso que o homem é chamado de “marido”, e a mulher simplesmente de “mulher” de alguém – uma mulher casada, como se a existência daquela pessoa fosse reduzida ao seu relacionamento, e principalmente a seu cônjuge. Por isso prefira termos igualitários como “esposa”, “namorada” ou “companheira”.
“Mulher de malandro”
Uma das mais terríveis e lamentavelmente populares expressões da presente lista, chamar alguém de “mulher de malandro” indica que determinada mulher que sofre violência doméstica e não larga simplesmente o agressor continuaria exposta a tal situação por secretamente gostar de ser violentada. A realidade, no entanto, não poderia ser mais diversa – e mais terrível: são as desigualdades econômicas, as próprias ameaças, a falta de apoio de parentes a amigos, o preconceito e, por fim ou em resumo, o medo que impedem normalmente uma mulher de simplesmente fugir de um contexto de violência doméstica. Aqui não há alternativa, já que a expressão relativiza e até legitima a violência.
“Mas ela provocou” ou “Também, vestida desse jeito…”
Outra das mais abomináveis e lamentavelmente repetidas das expressões selecionadas, que sugere que, quando uma situação de violência sexual acontece, a culpa seria da vítima, e não do agressor. Uma pesquisa recente indica que quase 60% dos brasileiros acreditam que se as mulheres “soubessem se comportar”, o índice de estupro seria menor – e, entre questionar o tamanho das roupas e o comportamento feminino e relativizar a violência e a psicopatia de um estuprador, comprova-se assim a força e o horror da cultura do estupro que rege tantas de nossas relações. O aprendizado está mesmo, nesse caso, na reflexão: a culpa nunca é da vítima, e sempre de quem comete a violência. O comportamento ou a vestimenta de nenhuma pessoa justifica que ela seja violentada.
“Mas eu ajudo nas tarefas domésticas”
Cuidar da casa e dos afazeres domésticos não é tarefa exclusivamente feminina, nem há qualquer explicação biológica que justifique eventual inclinação da mulher às tarefas de casa – só mesmo o machismo nosso de cada dia. Assim, quando o homem faxina, arruma a casa ou coisa que o valha, ele está somente fazendo sua parte – e “dividindo” tais obrigações, e não “ajudando”.
“Ele é um pai super presente”
Outra expressão que pode parecer inofensiva, mas que em verdade esconde um fundo terrível: no Brasil, cerca de 5,5 milhões de crianças simplesmente não possuem o nome do pai no documento, e 84% das crianças brasileiras são criadas essencialmente pelas mães. Assim, ser um pai presente é literalmente o mínimo que um homem pode fazer por seu filho e diante da mãe da criança – é preciso também arcar com as contas, cuidar propriamente, ser um bom pai, e tudo mais que as mães fazem sem costumeiramente receber por isso qualquer aplauso. Dividir as tarefas na criação de um filho não deve ser visto como algo extraordinário, mas sim como parte do importante compromisso, entre mãe e pai, de criar um outro ser humano.
Como se pode ver, trata-se de um processo de conscientização que não se restringe aos homens, e que precisa ser debatido pela sociedade como um todo. Podemos sempre rever a forma como nós agimos, a fim de encontrar uma opção mais inclusiva e que não alimente esses velhos estigmas – o preconceito, afinal, está nas entrelinhas.
Para impulsionar esta reflexão, a Intimus® lançou a campanha #ChegaDeEstigma, que visa questionar os estigmas vividos pelas mulheres, relacionados à menstruação. A ideia é justamente ajudar na conscientização e amplificar as discussões protagonizadas pelas mulheres, facilitando a informação e a troca entre elas, além de mobilizar a sociedade para que questionem esses estigmas.
Fonte: Hypeness.