Ricardo Dih Ribeiro
11/10/2021 19:23:21
Em defesa do meu direito de ser triste
Sou muito agradecido à mãe natureza por ter me dado minha tristeza. É ela que me poupa de, alegremente, comemorar a perda de meu amigo ou a perda dos dedos da mão. Ou ficar indiferente a isso. Bendita tristeza que não me permite ser absurdo em relação a tudo que me acontece vindo de externo a mim. Sou também grato a ela por me permitir ter um estado de espírito adequado à perda de ilusões. É muito aliviante poder ficar triste quando constato não possuir, realisticamente, as virtudes que, ilusoriamente, eu me atribuía. Um fardo inútil que se deixa de carregar. E também, menor flagelação quando não correspondo às virtudes que não tenho.
Bendita tristeza que não me permite ser absurdo em relação a mim mesmo. E bendita alegria que me permite comemorar a recuperação de meu amigo e a posse das virtudes que realisticamente possuo. E bendita inveja que me faz querer possuir o que meu inimigo possui, e bendita admiração que me faz comemorar o que meu amigo possui, como se eu mesmo possuísse. E… bendita…; e bendita… que não nos permitem sermos absurdos. Aqui surge o primeiro ponto em que temos que pensar juntos.
Estou defendendo que a tristeza, apesar de dolorosa, é uma capacidade humana necessária, boa. E não, como habitualmente se acredita que, por ser dolorosa, é ruim. Ela é, mesmo, uma das mais úteis e necessárias capacidades que nos permitem adequações às infinitas variações da realidade externa ou à relação de cada um consigo mesmo. Numa palavra, permite adaptação. Creio, mesmo, que a tristeza exerce, na mente, funções protetoras, muito semelhantes à que exerce, no corpo, a dor.
Quando trabalhava no Hospital das Clínicas, atendi dois irmãos, de sete e nove anos, que, desde o nascimento, não sentiam dor. O nome que os adultos dão a esta raríssima moléstia é “agenesia congênita dos feixes dolorosos”. Nunca tinha visto, nem vi depois, seres humanos tão cortados, lanhados, raspados, fraturados, queimados, como eles. Foram trazidos à Psiquiatria Infantil, no dia em que o mais velho, que se sentira desafiado numa disputa com outros meninos, para demonstrar que era corajoso, moeu a ponta do dedo indicador esquerdo, numa máquina caseira de moer carne.
Tenho justificado medo de que estejamos nos tornando semelhantes aos garotos que não sentiam dor. Não participo, pois, dessa verdadeira cruzada que vejo hoje contra a tristeza, qualquer tristeza e à qualquer custo. Logicamente, penso o mesmo do medo, da ansiedade, etc… etc.
A tristeza é teu sofrimento, mas também é teu benefício. É ela que te avisa que há algo na tua vida real e mental que está desarrumado, não entendido, ou pelo qual você “passou batido”. Tirando apenas a tristeza, o que vai te avisar que tua vida está desarrumada?
Oswaldo Di Loreto – Psiquiatra Infanto juvenil
Fonte: Infanto – Revista de Neuropsiquiatria da Infância e Adolescência, 1997
Esse texto traz um ponto de vista diferente pra gente olhar para a tristeza, pra gente olhar não como algo ruim, mas como uma função na nossa vida. Achei interessante já pelo título dele: “em defesa do meu direito de ser triste”, porque se tirarmos as nossas emoções, como é que seria a gente não sentir nada? Seria em tom de cinza!