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CASO ANNA FREUD ? MECANISMOS DE DEFESA

Ricardo Dih Ribeiro

11/10/2021 20:20:07

Tomarei como exemplo o caso de uma jovem mulher, empregada em uma instituição para crianças. Era filha intermediária de uma série de irmãos e irmãs. Durante toda a sua infância, sofreu veementemente inveja (do pênis), relacionada com seus dois irmãos (um mais velho e um mais novo), e de ciúme, o qual era repetidamente excitado pelos sucessivos períodos de gravidez da mãe. Finalmente, a inveja e o ciúme combinaram-se em uma feroz hostilidade contra a mãe. Mas, como a fixação de amor da criança era maior do que seu ódio, um violento conflito defensivo com os seus impulsos negativos sucedeu a um período inicial de desenfreada indisciplina e agressividade infantil. Temia que a manifestação de seu ódio lhe fizesse perder o amor materno, do qual não suportava ser privada. Também temia que a mãe a punisse e se criticava, da maneira mais severa, por suas ânsias proibidas de vingança. Ao ingressar no período de latência, essa situação de angústia e o conflito de consciência tornaram-se cada vez mais agudos e o seu ego tentou dominar tais impulsos de várias maneiras. Com vontade de resolver o problema da ambivalência, ela deixou aflorar um lado de seus sentimentos ambivalentes. A mãe continuou sendo um objeto de amor, mas, a partir daí, houve sempre na vida dessa paciente uma segunda pessoa importante do sexo feminino, a quem odiava violentamente. Isso facilitou a questão: seu ódio do objeto mais remoto não a atacava com um sentimento de culpa tão implacável quanto o que se manifestava, no caso da mãe.
Mas, apesar disso, o ódio deslocado era ainda uma fonte de grande sofrimento. Com o decorrer do tempo, apurou-se que esse primeiro deslocamento era inadequado como meio para dominar a situação.
O ego da menina recorreu então a um segundo mecanismo. Inverteu o ódio para dentro dela própria, quando até aí se relacionara exclusivamente com outras pessoas. A criança torturava-se com auto-acusações e sentimentos de inferioridade. Durante toda a infância e adolescência, até atingir a idade adulta, fez sempre tudo o que podia para colocar-se em desvantagem e lesar seus próprios interesses, abdicando de seus desejos e submetendo-se às exigências que lhe eram impostas por outras pessoas. Em toda a sua aparência externa, tornara-se masoquista, uma vez que adotava esse método de defesa.
Também essa medida provou ser inadequada, como recurso para dominar a situação. A paciente entregou-se então a um processo de projeção. O ódio que sentira pelos objetos femininos de amor ou seus substitutos transformou- se na convicção de que ela própria era odiada, menosprezada ou perseguida por aqueles. 0 seu ego, assim, encontrou alívio em relação ao sentimento de culpa. A criança traquina e rebelde, que alimentava sentimentos hostis contra as pessoas à sua volta, sofreu a metamorfose, convertendo-se em vítima de crueldade, negligência e perseguição. Mas o uso desse mecanismo deixou em seu caráter um permanente cunho paranóide, que constituiu uma fonte de enormes dificuldades para a moça, tanto na juventude como na fase adulta.
A paciente já era muito crescida quando veio a ser analisada. Não era considerada doente por aqueles que a conheciam, mas seus sofrimentos eram agudos. Apesar de toda a energia que o ego prodigalizara em sua própria defesa, ela não conseguira, realmente, dominar sua angústia e seu sentimento de culpa. Em qualquer ocasião que sua inveja, seu ciúme ou ódio estivessem em perigo de ativação, ela recorria invariavelmente a todos os seus organismos de
defesa. Mas os seus conflitos emocionais nunca chegaram a um ponto em que o seu ego pudesse ficar em repouso. Além disso, o resultado final de todos os seus esforços foi extremamente escasso. Conseguiu manter a fantasia de que amava a mãe, mas sentia-se repleta de ódio. Assim, desprezava-se e desconfiava de si própria. Não conseguiu preservar o sentimento de ser amada, que fora pelo mecanismo de projeção. Nem conseguiu escapar das punições de que tivera tanto medo na infância. Ao introjetar os impulsos agressivos, infligiu a si própria todo o sofrimento que anteriormente previra, sob a forma de castigos impostos pela mãe. Os três mecanismos que a paciente utilizou não puderam impedir o ego de permanecer em um estado de tensão e vigilância inquieto, nem o aliviaram das exageradas imposições que lhe eram feitas e dos sentimentos de tortura e aflição agudas que o flagelavam.

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