Ricardo Dih Ribeiro
26/10/2021 20:13:56
A nova ‘Mão Invísivel’ do sistema emergente já não é o mercado, mas a rede. E esta comporta-se economicamente como uma colmeia se comporta biologicamente.
As leis naturais que regem uma enxame são a inspiração para Kevin Kelly, o conhecido editor executivo da revista «Wired», desenhar as ‘leis económicas’ que fundamentam a lógica de redes que está a invadir toda a nossa sociedade.
ubjacente à visão que nos quer ‘vender’ está um novo paradigma, que poderíamos, humoristicamente, resumir assim: a mentalidade de colmeia é o oposto da do rebanho. A rede não funciona com comportamentos nem de ovelha ordeira, nem mesmo de ovelha negra.
Por isso, as ‘leis’ de que fala Kelly são pouco óbvias para quem ainda esteja prisioneiro das duas lógicas deste século: a do individualismo no centro do mundo ou a das «massas» sob controlo.
Os economistas puros e duros da academia acusam-no de ser mais um ‘teórico acidental’ fascinado com o mundo digital, dispondo de um púlpito nos «media». Ele responde à letra: «Cite-me lá algum desses que marque realmente a diferença? Eles já não têm nada a oferecer de novo, por isso não me importo nada de ser uma amador. Estão tão adormecidos nas suas torres de marfim, que já ninguém lhes liga nenhuma!».
Desde Out of Control que vem dizendo que a economia emergente se rege por leis muito parecidas com as da biologia?
KEVIN KELLY — O tema que abordei nesse livro e agora no artigo da «Wired» é que a melhor forma de perceber a nova economia é entender que ela segue os princípios que governam as redes. Assim sendo, obedecendo a essas regras – como a de prosseguir o gratuito, antecipar o barato, abraçar o poder das coisas “estúpidas”, etc. – pode ter-se sucesso.
E isso é um mecanismo similar ao biológico. O que estamos a assistir pela primeira vez na história é ao facto de que um modelo de crescimento biológico está a ocorrer nos sistemas tecnológicos criados pelo homem.
Umas das suas afirmações que choca é ouvir dizer que o poder reside nas coisas “estúpidas”…
K.K.: … conectadas ;O). Essa lei (também) dos sistemas vivos é esta: muito simplesmente, a força vem da conexão de uma forma estruturada e intensiva de imensas partes “estúpidas”. Essas ligações generalizadas permitem simultâneamente a evolução, a co-evolução, a adaptação, a interacção e a mudança cibernética. E isso é o que é a vida.
Com essa transição para o reino da conectividade, acha que entrámos decididamente numa Quarta Vaga, para “actualizar” a metáfora lançada por Alvin Toffler nos anos 70?
K.K. — Boa pergunta. Mas só a história saberá responder se a Idade da Rede vai ser substancialmente diferente da Idade da Informação. Suspeito que não.
Não?! Como assim, depois de tudo o que tem escrito?
K.K. — Sinceramente, eu penso que a Terceira Vaga e a sua “economia da informação” é mais similar do que divergente em relação à economia em rede, ainda que eu insista que o conceito de “economia da informação” é muito insuficiente para dar uma imagem da realidade actual. A Quarta Vaga – o que quer que isso venha a ser – está ainda, de momento, para além da nossa compreensão.
E qual é a sua dívida intelectual para com Peter Drucker, o «pai» da gestão, à primeira vista tão estranhamente misturado com o cibermundo?
K.K. — As minhas ideias são um refinamento do que Drucker – e outros – têm vindo a dizer, desde o final dos anos 60. É, agora, óbvio que eles estavam certos àcerca do papel do saber e do conhecimento. Penso que lhe juntei alguma dinâmica adicional, mas, é claro, que há ainda muito mais por explicar.
Eu presumo que nos próximos cinco anos, verdadeiros economistas começarão a desenvolver modelos matemáticos muito rigorosos e teorias cabais para se perceber a fundo o que está a ocorrer. Passaremos do nível da metáfora – por onde eu e Drucker andamos – para o da ciência.
Nesse movimento de “academização”, como vê o papel de Paul Romer, o economista actualmente mais admirado na América?
K.K. — Ele é uma das pessoas que eu julgo que de facto virão a protagonizar o que eu disse. Ele postulou, com grande argúcia, que a principal questão teórica que precisa de ser explicada numa economia é a forma como cresce, e não a forma como ela “assenta” ou se “acomoda” – esta última abordagem é a opção dos economistas tradicionais. Assim, Romer e outros teóricos do “novo crescimento” tornaram-se muito populares entre os jovens economistas iconoclastas de hoje.
Mas tem de concordar comigo que para o comum dos homens de negócios é muito difícil aceitar novas regras como essa de ter de desaprender frequentemente tudo o que se aprendeu antes, ou a de deixar de se concentrar na produtividade e na optimização do que está a produzir. Que tipo de viragem ideológica no mundo dos negócios tem em mente?
K.K. — Creio que essa viragem é melhor entendida com esta máxima de que eu falo – é necessário “alimentar primeiro a rede”. Você tem de se assegurar que as redes em que se insere crescem de facto, para que você próprio possa medrar.
E isso pode implicar muitas vezes que tenha de apoiar indirectamente a sobrevivência – atenção: não a dominância! – dos seus próprios concorrentes, e que deva apagar as distinções entre os seus clientes e a sua própria empresa.
Estas ideias podem começar por parecer estranhíssimas, mas fazem imenso sentido para muita gente depois de algum tempo.
Outra das sua máximas bizarras é a de “prosseguir o gratuito”, ou seja uma estratégia de dar de borla para alcançar a liderança na quota de mercado durante um período inicial que denomina de “protocomercial”. Mas como é que se consegue sobreviver a tal, sem ter as costas quentes, com o apoio muito activo do capital de risco, como acontece aí na Califórnia, algo que escasseia na Europa?
K.K. — É claro que nem todos sobreviverão. Mas ficarão os suficientes.
Falando dos que têm muito dinheiro para essa fase inicial, acha que a Microsoft percebeu de facto a regra de ouro da nova era – de que a Net é acima de tudo um meio de conectividade gerador de um novo ambiente social -, ou não estará a empresa de Bill Gates tentando “encurralar” a Internet e a Web em mais um ícone no ecrã dentro de um PC “gordo”?
K.K. — Eu penso sinceramente que o Bill e particularmente o seu camarada Nathan Myrvold entenderam muito bem as leis da Net. Eles têm a tarefa dificilima de moverem para este novo campo uma grande e lucrativa empresa da era da Informação. E como toda a gente sabe, conseguir mudar empresas super-lucrativas é o mais difícil – precisamente porque são bem sucedidas e líderes no quadro da situação actual!
Kevin, há alguma empresa da nova economia digital que o impressione em particular?
K.K. — A Microsoft – uma vez mais – continua a surpreender-me.
Qual é o papel que idealizou na economia em rede para essa aventura editorial que é a sua revista «Wired»?
K.K. — A «Wired» é o local ideal para observar, explorar o futuro, e relatar-nos como é que é a vida onde o futuro irrompe no presente. E isso, meu amigo, não é apenas na Califórnia que acontece. O futuro está a irromper por todo o mundo! Nós tentamos, também, gerir a própria «Wired» como uma rede – criamos uma nova empresa sempre que nos damos conta que somos mais de 100 pessoas.